sábado, 16 de janeiro de 2010

Entrevista Especial

Abrindo o ano de 2010 com chave de ouro, eis uma entrevista concedida pelo Psicólogo Roberto Pereira Coelho, da Coordenadoria Municipal de Combate à Dependência Química, que há anos vem desenvolvendo um trabalho belíssimo nesta área. A entrevista tem cerca de 40 minutos de duração e por isso, será dividida em partes para postagem neste blog.
Roberto relata sua riquíssima experiência com o combate às drogas e a sua construção de conhecimentos e interesses pelo tema. Uma leitura muito boa, de verdade. Espero que gostem!


Entrevista com Roberto - Parte I: Relações familiares e uso de drogas
(Entrevistadoras: Nathalya Herzer e Caroline Barreiro)

Nathalya: Fala um pouquinho pra gente de você e do seu trabalho?

Roberto: O meu interesse com relação à dependência química, eu fui descobrir ao longo do tempo, quando comecei a trabalhar dentro de uma penitenciária, e lá eu vi muita gente envolvida com questões ligadas a problemas de drogas, bebidas e outras substâncias que o próprio sistema, pois ele acaba permitindo e colabora com isso. Então eu fiquei preocupado e já nessa época, eu já tava terminando quase minha faculdade, e entendi que esse poderia ser um caminho interessante, né?! O fato de eu juntar essa questão com a própria diabetes que eu desenvolvi ao longo da minha vida, que é uma doença progressiva que se você não cuidar ela pode manter você “aleijado” de uma série de coisas, então você precisa cuidar. Então eu comecei a me interessar por dependência química e a buscar os recursos necessários pra entender o problema no que diz respeito a quem usa e no que diz respeito a quem convive com o usuário.


Nathalya: Porque as pessoas que convivem acabam se envolvendo com a droga tanto quanto o próprio usuário não é verdade?

Roberto: Com certeza. Então à medida que a gente vai buscando esses caminhos, e se isso for realmente aquilo que é necessário pra sua vida e pra sua evolução, essas portas elas vão ser abertas, você encontra as portas que você precisa. E eu acabei chegando num abrigo público da prefeitura onde tinha população de rua, onde você tem todo um universo bastante complexo, de pessoas envolvidas com toda a sorte de dependência e de compulsão. “Então é um presente dos céus!” eu pensei comigo, embora a dificuldade de conviver com aquela população fosse muito grande pela resistência e especialmente pela baixa auto-estima e pela tendência a desenvolverem um comportamento de vitimizados pelo sistema, e isso até dificultava o indivíduo olhar dentro de si e ver pra ver responsabilidade dele com relação à sociedade que o exclui.


Nathalya: Então na verdade eles não se responsabilizavam, pra eles a culpa era da sociedade?

Roberto: Exatamente, porque transferir essa responsabilidade pros outros era confortável e isso é uma coisa que acontece muito no comportamento do dependente químico, ele jamais vai admitir a questão relacionada a uma responsabilidade que ele tem com relação a si próprio, ao inferno que ele acaba trazendo pra sua própria vida e aquilo que acaba afetando a família que também não se responsabiliza pelas respostas que dá a esse dependente químico. O problema é sempre o outro: Ele que cria o inferno, ele que trás as desgraças, ele que me desorienta. Então quando o familiar começa a perceber a importância das suas decisões em relação a sua própria vida ele deixa de perseguir, ele deixa de salvar e ele deixa de ser vítima. Isso quer dizer que todas as três comunicações que são perversas que acontecem na questão familiar da doença elas acabam sendo reformuladas. Então, nesse universo eu consegui encontrar aquilo que eu gosto de fazer hoje. Eu acabei me deslocando pra uma secretaria de prevenção a dependência química, que se transformou numa coordenadoria, tive um grande tempo da minha vida clinicando com base no conhecimento que eu fui desenvolvendo de dependência química, e agora eu to aqui com vocês, nesse momento que eu considero muito especial pelo trabalho que vocês estão desenvolvendo pra esse blog e isso é muito importante porque a população precisa de orientação e o que eu puder oferecer a vocês de melhor estou aqui pra isso.


Nathalya: Obrigada Roberto, e assim me diz uma coisa: Você acha que o uso da droga é uma questão mais cultural ou seria uma espécie de fuga da realidade? Enfim, porque você acha que a pessoa começa a usar determinado tipo de droga?

Roberto: Olha tem vários motivos pra usar drogas, são diversos. A gente vai ver um universo onde nós temos a cultura com todo um padrão de comportamento e de hábitos que se desenvolvem e a nossa cultura ela privilegia, por exemplo, muito o uso do álcool que é praticamente sagrado nos relacionamentos sociais e nas festas. É muito difícil você conceber uma festa sem que nela não haja a famosa e popular “cervejinha”. Então se você associa que conversar, estar bem, se divertir e que relaxar é utilizar a “cervejinha” você tem uma cultura que privilegia o acesso a essa substancia pra proporcionar esse prazer. Você tem também questões familiares sérias de comunicação em que os pais vão ter ou não o entendimento do espaço deles na vida de seus filhos, ou seja, “Como eu ocupo meu espaço como pai na vida dos meus filhos? Eu os conheço? Eu mesmo trabalhando muito, eu disponho do tempo que preico pra estar ali presente de corpo e alma com eles, pra dividir esperanças, alegrias, preocupações e todos os problemas que existem?” No momento em que os filhos não conseguem sentir a presença dos pais, ou esses pais por sentimento de culpa por estarem fora compensam o vazio criado com objetos materiais...

Nathalya: O que é muito comum nessa família mais moderna...

Roberto: É, é muito comum isso e acaba aumentando o fosso do relacionamento entre pais e filhos. Os pais não conhecem seus filhos e os filhos por sua vez não conseguem compreender quem são os pais e como se comunicar com eles pra que eles sejam entendidos, fazendo com que exista um distanciamento cada vez maior que a gente chama até de demissão parental: os pais existem mas é como se eles tivessem se demitido do relacionamento que eles precisam ter com os filhos.


Nathalya: Eles se eximem da responsabilidade de pais né?

Roberto: Isso dá trabalho né? Você dedicar seu tempo e sua vida pra criar esse espaço, isso dá trabalho. A nossa cultura embora fale muito de família, ela não trabalha a família de forma clara pra que as pessoas se comuniquem e digam a verdade, digam seus sentimentos, trabalhem esses sentimentos e numa família em que essas emoções elas são filtradas pra que muitas ou algumas coisas não se falem, elas vão trazer problemas de comunicação no desenvolvimento tanto do co-dependente que é uma pessoa que vai desenvolver uma dificuldade de lidar com sua vida emocional e vai tentar encontrar essa vida emocional em alguém com problemas, a qual ela vai tentar salvar ou fazer alguma coisa ou vai desenvolver também o próprio núcleo de dependência química onde você vai encontrar saídas para o uso de drogas. Você pode fazer o uso de drogas pela curiosidade, pelo exemplo, pelo desafio ou porque você precisa fazer parte de um grupo pra você se sentir existindo...


Nathalya: Pois é, a maioria dos relatos de pacientes que a gente recebe no NETT (Núcleo de Estudos e Tratamento de Tabagismo da Hospital Universitário da UFRJ) é justamente de pessoas que dizem que os amigos influenciaram e era preciso fazer parte daquele grupo social, era comum e acabam iniciando o uso da droga.


Roberto: É, quando os amigos influenciam é porque eu preciso de alguma forma me sentir visível com aquelas pessoas. Se aquelas pessoas surgem e exigem determinadas regras, eu as aceito porque eu quero fazer parte daquele núcleo em que eu de alguma forma me sinto alguém ali.

[...]

Encerramos por aqui a primeira parte da entrevista.
Em breve Parte II.

Um ótimo final de semana a todos e é claro, um 2010 repleto de realizações!